Sabe;
desde que me entendo por gente, nunca gostei de escrever nada sobe
pressão. Veja bem, é preciso que eu me
explique direito, mas, o fato é que ao menos para mim, a escrita sempre foi
sinônima de inspiração. Claro, também devo considerar o fato de que meu
professor de teoria de literatura I não está lá muito preocupado com as
depressões que minha mente criativa da, só que quando se escreve é sempre bom
que não seja em vão. Intimada a fazer uma crônica até a terça feira, digamos
que minha cachola, brasileira da gema, ficou até a véspera processando esta
minha licitação. Ok, ok, mas não me venha com essa, você sabe muito bem como é
amigo... Esqueça os sermões, pois não estou nem um pouco disposto a ouvi-los.
Chega. Fui às ruas, o tempo era corrido, peguei o busão ainda vago, mas logo o
numero de pessoas crescia esporadicamente enxotadas naquele espaço de latão.
Desce ladeira, o ônibus balançava e sacolejava, se aproximava da curva
derradeira anunciando o triste fim de uma crônica que nem ao menos começara. Só
que veja bem, veja as voltas que a vida dá. Sempre quando se precisa aprender,
existe alguém disposto a ensinar. É já sei, as rimas também me irritam, só que
elas fazem parte.
Lá
na Praça da Bandeira, me vem à vista uma cena conhecida. Pedira para entrar no
Ônibus, mais uma daquelas pessoas do instituto Manassés. Passava-se pouco das
três horas da tarde, digo pelo sol escaldante, pois não estava com relógio. O
Esquema deles é conhecido, mas, isso nunca me chamou atenção, talvez por que
não me deixo acreditar nesse lance de perdão, nessa onda de ex-bandidos dando
uma de filhos de cristo pedindo esmola para ajudar a sua causa. Fiquei
observando como ele se desdobrava, entregando entre desculpas e com licenças,
para cada pessoa um kit com uma canetinha barata com chaveirinho e lanterna. Já
haviam pagado a sua passagem. A principio achei tudo aquilo engraçado. Grande
coisa essa que ele fez, de marginal a marginalizado pedindo esmola no busão.
Ofereceu-me
então um daqueles kits. Não aceitei. Até que podia, mas, entre confiar e correr
o risco de ser enganado, preferi a segunda opção. Como fruto do meu
“descompadecimento” parei um pouco e o observei. E é de seu discurso que não me
esqueço, algo nele me intrigava. Me pego vendo aquele Homem falando de Jesus,
falando da sua dificuldade de conseguir emprego, da sua antiga vida no mundo
das drogas. Seus Olhos faiscavam com cada palavra dita. Principalmente quando
se falava da família, me pergunto se aquilo tudo era invenção... Ele falava da
causa de um jeito convicto, como se a coisa toda estivesse muito difícil mesmo:
“Existe tanta gente perdida no mundo meus irmãos, longe de suas famílias,
presas no mundo das drogas, por isso lhe peço meus amigos, ajudem com sua
pequena contribuição para que possam ajudar a tirar mais pessoas dessa difícil
situação”, dava para perceber que ele não era lá muito estudado, mas, nunca
deixou de mostrar educação. Viam-se as rugas em seu rosto, pensamentos
perdidos... Pensei na família do cidadão. Arrependi-me. Devia ter aceitado
aquele kit.
Desde
então, passei a observar os movimentos daquele homem. Até que entendi o fato de
ele ter sido resgatado das drogas, mas, quanto ao por que de ele está ali
pedindo esmola... Há isso ainda não havia entendido. Mais uma vez tentei
adentrar na vida do sujeito, me por em seu lugar. Vi-me largado na sarjeta,
sozinho, enganado por quem dizia ser meu amigo e me levara para aquele caminho
escuro. Pensei nas horas e horas tentando conseguir dinheiro para comprar mais
drogas, nos crimes que eu cometeria só por estar naquela situação de
escravizado. Poderia até sair daquele mundo, mas, e depois? Será que eu
conseguiria voltar a minha vida comum, quando eu estava apenas preocupado com
uma crônica numa véspera de entregar o trabalho? Além do arrependimento, fui
atingido pela culpa. E os amigos que ele perdeu? E as pessoas que lhe fecharão
as portas? Conseguiria eu estudar, quem sabe arranjar algum emprego digno? Lembrei
do instituto Manassés, pensei naquele tal de Jesus, disposto a ajudar as
pessoas que precisam, sempre ouvi falar dele, mas, nunca havia parado para
refletir muito sobre o assunto. O que será que eu encontraria naquele instituto
que me faria lutar por uma vida mais digna para pessoas usuárias de drogas? E
quanto às pessoas que eu precisaria convencer, essas pessoas que incluem a mim
que não sabem o que é passar por dificuldade de verdade. Dificuldade mesmo
sabe... Falo de coisas que nos fazem perder a esperança. Que nos tornam bicho
sabe... Eu me pego lembrando disso... A vida nunca foi fácil para mim, mas,
nunca perdi a esperança, nem a dignidade. Comecei a olhar aquele homem ali na
minha frente como um igual. Passei a ver a sua coragem.
Na
hora de receber as esmolas, notei as migalhas que lhe deram. Nem dava para
comprar uma sacola de pão. Fiquei aflito, pensava que talvez essa frustração o
fosse surtar, quem sabe até fazê-lo voltar para a vida do crime... Mas, ele
apenas agradeceu. Com o mesmo sorriso, com a mesma educação, com a mesma
humildade. Vai ver dentro de toda aquela humilhação ele encontrara alguma
valia, só não sabia qual.
Desci
no ponto junto com o tal moço, vi quando ele avistou outro colega de igual
situação, percebi que ele não estava sozinho, vi abraços de amizade enquanto
esperava um ônibus integração.
Pedro Alcino Barbosa Coelho
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